(Patromo da Cadeira nº 67 da ABDT)
Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda. Alagoano, nascido em 1892, que foi professor, advogado, Juiz, desembargador, diplomata, jurista, autor de incontáveis obras, das quais as mais referenciadas são o Tratado de Direito Privado, com 60 volumes, o Tratado das Ações, em 10 volumes e Comentários à Constituição, tanto de 1937, quanto a de 1946 e de 1967.
Iniciou a carreira, como advogado e, em 1924, ingressou na magistratura, como juiz de órfãos. Atuou como desembargador do antigo Tribunal de Apelação do Distrito Federal, época em que também representou o Brasil em duas conferências internacionais: Santiago, no Chile, em 1923, e Haia, nos Países Baixos, em 1932. Essas experiências influíram em sua transferência para a carreira diplomática em 1939, quando foi nomeado embaixador na Colômbia. Em 1943, afastou-se da diplomacia e dedicou-se às atividades profissionais de parecerista e escritor.
Mas não apenas na área jurídica Pontes de Miranda se destacou. Com efeito, foi autor de livros nos campos da matemática e das ciências sociais como sociologia, psicologia, política, poesia, e filosofia. Suas obras foram publicadas em português, alemão, francês, espanhol e italiano.
Sobre o “mundo em si” e o “mundo para nós”, convém mencionar um trecho significativo de sua obra “Sabedoria dos Instintos”, de 1921.
Todo o real só existe sob a condição geral de ser sentido, isto é – deixar de ser um mundo em si, “an sich”, como dizem os alemães, para ser um mundo para nós, “für uns”. Dependem do nosso espírito as formas do último, como dependem dos vasos as superfícies dos líquidos. Só a parte superior poderá ficar livre do contorno. Em verdade, escrevemos impressões, ao lado dos fatos, – não “dizemos” fatos. Os acontecimentos são frases que somente podem ser “ditas” pela Natureza, pelo Todo.
Todas as filosofias são puras leis, e leis atuais, falíveis, provisórias. A harmonia só existe no mundo em si. No mundo “para nós” só é integral e coerente o nosso critério. Colocado entre dois abismos, só um meio tem o homem para tentar a verdade: utilizá-la. No passado, – o ponto de partida, o fieri ex nihilo, que é impossível, porque admite efeito sem causa; no futuro, – o fato último seria causa sem efeito, sem nexus effectivus. Daí a esfinge, o grande enigma dos pensadores, a dupla interrogação do conhecimento: por toda a parte, o Infinito.
Interessante ressaltar, ainda, a sua preocupação com o estudo de Direitos Humanos, antes mesmo de a temática ser objeto da Declaração de Direitos Humanos, de 1948, conforme ele mesmo destacou em seu discurso de posse na Academia Brasileira de Letras, em 1979.
Não são poucas as homenagens a sua memória e pensamento. Contudo, o grande desafio nos tempos atuais deve ser, efetivamente, o retorno à leitura direta de suas obras. Em uma época em que a abundância e a velocidade da informação induzem a simplificação e padronização dos saberes – quase sempre em prejuízo da profundidade do conhecimento e da reflexão – Pontes de Miranda é um porto seguro, do qual é possível partir para viagens ainda mais instigantes.
Desta forma, ler as obras deste que se encontra entre os maiores juristas universais de todos os tempos, mais do que uma homenagem pessoal ao autor, é um pressuposto para o aprofundamento na ciência do direito.
Pontes de Miranda faleceu em 1979, deixando vasta obra e lições até hoje referenciadas no universo jurídico.